sexta-feira, 8 de julho de 2011

Para além do Art. 2° do Código Civil Brasileiro


O Direito não é uma ciência estática. Ele precisa acompanhar as evoluções da sociedade e sempre tentar aumentar o seu campo de incidência para que a injustiça não floresça indiscriminadamente.
“Personalidade jurídica, para a Teoria Geral do Direito Civil, é a aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações.” (Direito:temas e problemas Vol. I pág. 228)
Diante desta premissa, abre-se uma questão: A partir de quando se inicia de fato a personalidade civil do indivíduo sujeito de direitos? Essa problemática incrivelmente permanece, de forma paradoxal, haja vista que há um encontro de determinações, para entender o problema vamos ao Art. 2º do Código Civil. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Ora, tem-se aí uma discrepância evidente, posto que considerando que a personalidade jurídica é colocada a partir do nascimento com vida, poderia se excluir desta categoria, o nascituro, isto é, todo o período de vida do ser humano antes de seu nascimento. Porém o Art. 2°, que já é uma forma atualizada do Art. 4° da Constituição Federal de 1916, no sentido de atribuir direitos ao ser humano ainda no útero, e exatamente por esse motivo que se estabelece a problemática, pois segundo determinações constitucionais,  qualquer indivíduo que a ele seja atribuído direitos, este possui personalidade jurídica,leia-se o trecho:

“Limongi França, diz textualmente: Juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que tentam afirmar a impossibilidade de atribuir capacidade ao nascituro, por este não ser pessoa. A legislação de todos os povos civilizados é a primeira a desmentir tal propósito. Não há nação que se preze (até a China) onde não se reconheça a necessidade de proteger os direitos do nascituro (Código Chinês, Art.7°). Ora, quem diz direitos, afirma capacidade. Quem afirma capacidade, reconhece personalidade.”(França, 1996, p.50).

Mas então como o nascituro pode ter direito e mesmo assim não ter personalidade jurídica? Eis a distorção, que implica em muitas outras questões na vida concreta. Porém, diz-se que há uma perspectiva de personalidade atribuída ao nascituro, isto é, como provavelmente ele irá nascer, e assim ter vida fora do útero, então é quase certo que ele terá personalidade jurídica, logo, antes de nascer, ele tem assegurado seus direitos, que mais parecem direitos futuros. Adiante se tem a polêmica questão do aborto, visto que, no Brasil, o aborto neste momento é crime, e o é, pelo fato de tal se caracterizar como um crime contra à vida, logo se o nascituro é provido do direito à vida, e a vida é direito da pessoa, portanto nesse sentido o nascituro teria  personalidade civil, já que contra este é cometido um crime. Contudo no Código Civil Brasileiro, considera-se que pessoa é todo e qualquer que tenha nascido com vida. Mas há outra questão, que impõe mais uma distorção, pois o Pacto de San José da Costa Rica (uma convenção americana sobre direitos humanos em que o Brasil é signatário) diz: Art.1°, n 2: “Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano”. Em prosseguimento, tem-se no inciso I, Art. 4° da mesma Convenção: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido por lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. (Direito:temas e problemas Vol. I pág.235) Então de acordo com a convenção, todo e qualquer ser humano é pessoa, e em seu Art. 4° toda pessoa, isto é, todo ser humano tem o direito à vida, além de deixar bem claro que esse direito é garantido desde sua concepção, haja vista que desde esse momento já existe uma vida, dependente, mas existe. O direito à vida é defendido fundamentalmente quando se confere um aborto provocado, em que este configura-se como um legítimo crime contra esse direito fundamental. Considerando que o Brasil é signatário, isto é, ele tem o compromisso de agir de acordo com o que diz a Convenção, então em coerência com o que é colocado pela mesma, o código civil brasileiro deveria, teoricamente, onde fosse de encontro com as regras do pacto, fosse assim revogado. No entanto, na prática, aqui no Brasil, comumente não se reconhece a figura do nascituro como personalidade civil, mas sim alguns direitos, como o direito à alimentação por exemplo. Visto essas idéias um tanto divergentes no sentido prático da real figuração do nascituro, pretende-se aqui não necessariamente estabelecer o ideal, ou o mais correto sob o ponto de vista jurídico fundamentalmente, mas abrir espaço para que se discuta essa problemática, contribuindo assim,  afim de que se entenda melhor questões fundamentais que envolvam toda a sociedade, visto que a mesma dificilmente  pare para refletir sobre tal, não desconsiderando assim, uma mínima parte que envolve-se em questões de categorias semelhantes.  Abrir espaço para que se pensem questões sociais relacionadas à personalidade civil, de que forma a regra influi sobre o aborto e o que poderia mudar com uma possível descriminalização do tal, por exemplo, e talvez ainda uma possível reforma do Art.2° do Código Civil Brasileiro. Como o Direito é passível de mudanças/adaptações. Portanto, cita-se um exemplo de decisão resultado de debates sobre a prisão do fiduciante, isto é, a pessoa a quem se institui o título de devedor numa alienação fiduciária, no STF a luz do Pacto de San José da Costa Rica.

     “Para Gilmar Mendes, pautando-se sempre na obra de Peter Haberle, os tratados devem ser encarados como normas supralegais, devendo obediência à Constituição Federal, mas, quando condutores de questões relativas a direitos humanos superiores à legislação infraconstitucional.” (Direito: temas e problemas. Vol. II pág. 107)

Portanto, então por que a justiça brasileira não adota as determinações das convenções internacionais no que se refere aos direitos humanos, visto que suas características parecem tão universais?Fica o questionamento.

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